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VIDA E SAÚDE: A ESCOLHA É SUA

O ESTILO DE VIDA PODE IMPACTAR A NOSSA DESCENDÊNCIA

O Criador sabe que as nossas decisões afetam não somente a nossa saúde, mas também a de nossos descendentes.

 

 

Por Heidi Schulz PhD pela Universidade de Wuerzburg

O ESTILO DE VIDA PODE IMPACTAR A NOSSA DESCENDÊNCIA?

Em fevereiro de 2001, foi publicado um esboço da sequência do genoma humano, trazendo grande esperança de que isso iria inaugurar uma nova era para a Medicina. Entretanto, nos últimos anos, houve uma redução na expectativa de vida prevista para bebês nascidos em países desenvolvidos, em comparação com aqueles que nasceram nos primeiros 15 anos deste século.1 Como isso é possível? Nosso estilo de vida poderia ter alguma coisa a ver com isso?

As primeiras pistas vieram de um estudo conduzido por Bygren, Kaati e Edvinsson.2 Eles usaram os registros de Överkalix, Suécia, uma área bastante isolada do mundo exterior no século XIX. Portanto, os habitantes tiveram que sobreviver quase que exclusivamente com os alimentos produzidos na região onde moravam. Ao utilizarem os registros de suprimentos alimentares e o registro de óbitos, os pesquisadores descobriram que, se o avô não tivesse uma alimentação abundante entre o nono e o 12o ano de vida, os netos teriam maior vantagem no quesito saúde. Ao contrário, o excesso de alimentação naquele período reduziria a expectativa de vida de seus netos do sexo masculino entre 6 e 32 anos. No caso das mulheres, um momento importante seria a gravidez. Os netos de mulheres grávidas com suprimento adequado de nutrientes se sairiam melhor.

Agora, pense na abundância de alimentos e na qualidade desses alimentos aos quais os jovens têm acesso hoje em dia, e tire suas conclusões. Inúmeros avanços na área médica e novas terapias são desenvolvidos a cada ano. No entanto, nos países desenvolvidos, a expectativa de vida começou a diminuir. Isso poderia ter algo a ver com o estilo de vida? Ou com o texto de Êxodo 34:7: O Senhor “castiga os filhos e os netos pelo pecado de seus pais, até a terceira e a quarta gerações”. (NVI)?3

Bem, talvez tenhamos uma pista aqui. O Criador sabe que as nossas decisões afetam não somente a nossa saúde, mas também a de nossos descendentes. E Ele compartilhou isso explicitamente conosco para nos conscientizar da responsabilidade que temos. É a nossa vida, nossa liberdade, nossas escolhas − porém, elas têm impacto sobre os outros.

Ellen White declarou: “Muitos sofrem em consequência da transgressão de seus pais. Estes não podem ser censurados pelo pecado de seus pais; não obstante, é seu dever, indagar em que seus pais violaram as leis do seu ser, que trouxeram sobre seus descendentes tão desditosa herança; e naquilo em que os hábitos de seus pais foram errados, devem eles mudar de procedimento e guiar-se por hábitos corretos, em melhor relação para com a saúde.”4 Entretanto, como as escolhas causam impacto em nossa vida e em nossos descendentes?

EPIGENÉTICA: A PONTE ENTRE O ESTILO DE VIDA E A SAÚDE

Conrad Hal Waddington foi o primeiro a reconhecer, em 1942 que, para funcionar, as células necessitam não apenas dos genes, que podem ser comparados ao hardware de um computador, mas também de um “software” específico para funcionar adequadamente. Para descrever esse conceito, ele cunhou o termo epigenética. Epi indicando que existe informação “em cima” dos genes, o que é essencial para controlar e regular quais dos 22.000 genes encontrados em cada uma de nossas células estarão acessíveis para uso. Não existe uma única célula que use as informações contidas em todos esses genes; portanto, é importante que apenas os genes necessários possam ser acessados e “legíveis”. Todos os outros devem permanecer “silenciados” ou inacessíveis.

Em contraste com as “letras” fixas da sequência do DNA que estão em conformidade com nossos genes, a maioria das marcas epigenéticas pode ser alterada durante a vida, em resposta ao ambiente e ao estilo de vida. E esse regulamento pode ser tão ou até mais importante para nossa saúde que a qualidade dos genes que herdamos! Até o momento, três processos epigenéticos são conhecidos por agirem como ponte entre o estilo de vida e os processos celulares:

O primeiro mecanismo epigenético: a metilação. A primeira forma de “desligar” um gene é colocar uma marca na citosina, uma das quatro “letras” do DNA. Para isso, é necessário ter “tinta” suficiente e as enzimas associadas, a fim de realizar a marcação. Quando uma “mancha de tinta” (um grupo metil) é colocada em um gene, a informação contida neste gene não pode ser lida, copiada ou usada para produzir a proteína codificada. O regime alimentar desempenha um papel importante na metilação, pois é necessário um suprimento suficiente de certos nutrientes para produzir a “tinta”. Por outro lado, beber álcool perturba o funcionamento correto e leva a um funcionamento abaixo do ideal. Estudos recentes apoiam a ideia de que, para se alcançar uma boa saúde, é melhor não beber álcool de forma alguma.5

Estudos em humanos mostraram que a alimentação é apenas um dos múltiplos fatores − desde o exercício físico até às estações do ano e o ar puro − que ocasionam mudanças na metilação. Por exemplo, um estudo com pessoas saudáveis mostrou que pedalar por 45 minutos quatro vezes por semana, durante três meses, resultou em uma mudança significativa na atividade de mais de 800 locais e na expressão diferencial significativa de aproximadamente 4000 genes nos músculos das pernas, modificando assim a metilação.

Os produtos usados no dia a dia também podem levar a uma metilação anormal. Um exemplo disso é o Bisfenol A (BPA), usado na fabricação de muitos plásticos. É encontrado também em recibos de caixa térmicos, na forração de algumas latas de metal, e é produzido no endurecimento das resinas dentais compostas, usadas no tratamento das cáries. Estudos mostram que 93% das pessoas eliminam o BPA na urina, o que significa que o absorvemos por via oral ou pela pele. Essa molécula semelhante ao estrogênio é um desregulador endócrino e ocasiona mudanças na metilação dos processos-chave. Aumenta o risco do diabetes tipo 2, das doenças cardiovasculares, de alguns tipos de câncer, da síndrome dos ovários policísticos e altera a função tireoidiana e as concentrações dos hormônios sexuais. Também reduz a função sexual masculina e a qualidade do esperma. A exposição ao BPA durante a gravidez e na infância está associada a problemas do desenvolvimento neural e está relacionado aos níveis mais elevados de ansiedade, depres- são, hiperatividade, desatenção e problemas de conduta.6,7

Seus efeitos não se limitam à pessoa exposta a ele, mas também podem afetar os descendentes. Por exemplo, a exposição de camundongos machos ao BPA interrompeu a produção de esperma e levou a um declínio na contagem dos espermatozoides, não apenas na geração exposta, mas também em filhos, netos e, até certo ponto, em bisnetos.

Reconhecendo essa ameaça à saúde, alguns países proibi- ram o uso do BPA em produtos específicos, mas, geralmente, apenas naqueles usados por bebês. Por causa dos riscos potenciais, é recomendado comprar produtos alimentícios embalados em materiais livres de BPA, e deve-se ter cuidado para não armazenar, aquecer ou resfriar alimentos em recipientes de plástico e evitar o manuseio de recibos, limitando assim a exposição a essa substância.

Como acontece na maioria das áreas da pesquisa médica, grande parte dos estudos relacionados à epigenética é feita em modelos animais, devido à facilidade de manipulação, do tempo de vida mais curto e da possibilidade de controlar as condições do teste. Na maioria das vezes, os resultados observados em estudos com animais se traduzem em observações nos humanos.

Um desses modelos de animais, o camundongo agouti, foi usado para estudar o efeito que a alimentação exerce sobre a metilação durante a gravidez.8 O estudo mostrou que era necessária uma enorme quantidade de doadores de metila na alimentação materna para conseguir metilar o gene agouti no filhote. Se não houver nutrientes suficientes para a metilação ideal desse gene, durante a gravidez, o gene não é desligado como deveria durante o desenvolvimento, e os camundongos vão ter pelo amarelo e predisposição para a obesidade, diabetes e câncer. Por outro lado, uma alimentação materna rica em ácido fólico, betaína, colina e vitamina B12 resultou em filhotes saudáveis, com pelagem normal, embora a mãe tivesse os sintomas descritos. Os filhotes de mães que, quando grávidas, não receberam nutrientes suficientes tinham os problemas de saúde descritos e pelos amarelos.

Até mesmo os contatos sociais influenciam a expressão dos genes. Nesse caso, usar ratos que vivenciaram diferentes comportamentos de cuidados maternos é impressionante.9 Os animais da ninhada que recebeu a atenção necessária cresceram confiantes, enquanto os animais negligenciados tiveram uma resposta alterada aos estímulos de estresse. Estudos em humanos comprovam que aquilo que experimentam deixa uma marca epigenética e pode influenciar seu bem-estar mental e comportamental. Por exemplo, existem diferenças epigenéticas mensuráveis nas células sanguíneas de pessoas que sofreram abuso na infância, mesmo quando medidas 40 anos após o episódio.10

O estresse constante pode levar à depressão. No entanto, estudos mostram que a atividade física diminui o risco de depressão ao remover marcas de metilação de um gene nas células musculares. O gene, agora ativo, codifica uma enzima que adiciona um grupo ácido à quinurenina, uma molécula gerada quando as pessoas passam por estresse. Como o ácido cinurênico resultante é em quantidade muito grande, ele não é mais capaz de migrar do sangue para o cérebro e, portanto, o estresse terá um menor impacto no bem-estar mental.11

Um estudo feito com ratos, em um ambiente enriquecido que incluiu a exposição a novos objetos e exercícios voluntários durante a adolescência, melhorou a memória não só do camundongo que passou por essa experiência, mas também de sua prole futura, mesmo que a prole nunca tenha experimentado o ambiente estimulador do cérebro.12 Esses estudos são difíceis de fazer em humanos, mas eles sugerem que ambientes aprimorados e atividades que influenciam positivamente a plasticidade neural não são apenas benéficos para nós, mas podem contribuir para um desenvolvimento mais positivo em nossos descendentes − conforme ocorrem as mudanças epigenéticas no modelo animal, não apenas no cérebro do animal que as está experimentando, mas também em seus espermatozoides ou óvulos.

Segundo mecanismo epigenético: alterações nas histonas. Se uma célula pode usar as informações contidas em um gene, é regulada também pelo controle da acessibilidade aos genes que precisam ser “lidos” e copiados para formar as proteínas. Devido ao espaço limitado no núcleo da célula, apenas alguns segmentos dos cromossomos estão soltos e legíveis em um determinado momento. Longas extensões de aproximadamente 2 metros de DNA, normalmente encontradas nas células humanas, não são necessárias na maioria das vezes. Esses trechos de DNA não utilizados são, portanto, empacotados para evitar emaranhados e outros problemas, e para permitir espaço para que os segmentos de DNA contendo genes que estão em uso sejam expressos. Esse estado de empacotamento pode ser modificado por meio de alterações químicas nas histonas − as “bobinas” de proteínas em torno das quais o DNA é envolvido. Foi demonstrado que não apenas uma boa nutrição, mas também alguns minutos de meditação e muitos outros fatores contribuem para o funcionamento ideal das enzimas que alteram as histonas.

Terceiro mecanismo epigenético: microARN. Quando um gene é lido e copiado no chamado ARN mensageiro, ele é usado como um modelo para produzir a proteína codificada, desde que esteja intacto. Essa “instrução” pode ser destruída pela ação de microARNs (miARNs na forma abreviada). Como o nome indica, os miARNs são muito curtos. Assim que um miARN encontra um trecho de letras que espelha a sua sequência em um ARN mensageiro, ele se liga a esse trecho, e o ARN mensageiro fica inutilizado − interrompendo assim a síntese protéica correspondente. Enquanto a maioria dos miARNs está ativa na célula que os produziu, um número significativo de miARNs é exportado e circula no sangue. Como os alimentos são compostos por células, uma parte dos miARNs encontrados nos alimentos, principalmente em produtos animais, são absorvidos no trato digestivo humano e podem afetar a expressão gênica. Por exemplo, se a concentração de um determinado miARN encontrado no brócolis, espinafre, repolho, cenoura e cebola estiver baixa no sangue, as mulheres têm um risco maior de câncer de mama. Se as células tumorais são tratadas com este miARN, o crescimento do tumor diminui.13

A epigenética também desempenha um papel fundamental nos vícios.14 O pesquisador Eric Nestler explica que as mudanças estáveis na atividade do gene, nos nervos do sistema de recompensa são baseadas, pelo menos parcialmente, nas mudanças epigenéticas. Por exemplo, o uso de cocaína leva a mudanças nas histonas e faz com que as células ativem um “programa” diferente. Isso acontece não somente com os vícios relacionados a substâncias (drogas e álcool), mas também com os vícios independentes de substâncias, como jogos de computador compulsivos. Este último leva a mudanças mensuráveis na concentração de alguns miARNs no sangue. Esses miARNs podem, por sua vez, influenciar a atividade de 1.300 genes, alguns dos quais estão envolvidos em várias doenças, como a esquizofrenia ou a depressão grave.15

A EPIGENÉTICA AO LONGO DA VIDA

As primeiras horas após a fertilização, testemunham as principais mudanças epigenéticas. Fatores ambientais e de estilo de vida durante esse período e durante a gravidez, bem como circunstâncias relacionadas à infância, levam a mudanças de longo prazo que podem não só predispor à doença décadas depois, mas também afetar o bem-estar dos filhos e netos. Assim, podem ser considerados períodos críticos. Estudos recentes mostram que os ambientes iniciais aumentam o risco de diabetes do tipo 2 no decorrer da vida.16

VOCÊ É RESPONSÁVEL APENAS POR SI MESMO?

Certas experiências de vida e pistas ambientais são “memorizadas” nos espermatozoides e nos óvulos. Pesquisas de vários laboratórios têm demonstrado que as características maternas e paternas, adquiridas mesmo em anos antes da concepção, podem ser transmitidas aos descendentes.17 Isso inclui, entre outros itens, uma dieta rica em gorduras, uma dieta pobre em proteínas, estresse mental e sensibilidade ao odor de produtos químicos específicos.

Eis alguns exemplos de efeitos multigeracionais nas escolhas de estilo de vida:

  • Em um estudo com camundongos, a exposição à sacarina produziu hiperatividade locomotora e déficit de memória funcional, não só nos machos expostos à sacarina, mas também em seus descendentes.18 O DNA do esperma foi hipermetilado nos pais expostos à sacarina, especialmente nos receptores de dopamina, sugerindo que a modificação epigenética do DNA da célula germinativa pode mediar a transmissão de fenótipos comportamentais.
  • Em outro estudo, a prole cujos pais eram camundongos estressados apresentou hiperglicemia devido à produção reduzida de um microARN.19
  • Uma dieta ocidental (rica em gordura e/ou açúcar) aumenta a probabilidade de obesidade e diabetes nos descendentes. Recentemente, ficou determinado que um microARN no esperma leva à predisposição na próxima geração. A injeção desse microRNA em embriões unicelulares é o suficiente para induzir a alterações metabólicas semelhantes ao fenótipo induzido pela dieta.20
  • Os filhotes de camundongos cujos pais inalaram nicotina antes da concepção apresentaram déficit de atenção e menos receptores de dopamina.21
  • Houve aumento do risco de asma devido à redução da metilação global do esperma em filhos de pais e avós que fumaram.

CONCLUSÃO

Iniciamos este artigo com uma referência bíblica aos efeitos multigeracionais do pecado (Êxodo 34:7). Concluímos agora com a promessa do versículo 6: “Senhor, Senhor, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade.”

Em sua maior parte, os resultados da saúde dependem de nossas pequenas decisões diárias. Assim como na recuperação dos blocos de madeira em um jogo de Jenga, os resultados não serão visíveis imediatamente, na maioria dos casos, mas um estilo de vida saudável aumenta a probabilidade de se viver uma vida com saúde abundante, não só para nós, mas também para nossos filhos. Conforme Ellen White compartilhou conosco, assim lemos: “O uso dos remédios naturais requer certo cuidado e esforço que muitos não estão dispostos a exercer. O processo da Natureza para curar e construir, é gradual, e isso parece vagaroso ao impaciente. Demanda sacrifício e abandono das condescendências que são nocivas, mas no fim se verificará que a natureza, não sendo estorvada, faz seu trabalho sabiamente e bem. “Aqueles que perseveram na obediência a suas leis ceifarão o seu galardão em saúde de corpo e de alma.”22

Heidi Schulz PhD pela Universidade de Wuerzburg, Alemanha, trabalha em um laboratório de diagnóstico de genética humana.

Heidi Schulz, “Vida e Saúde: A escolha é sua,” Diálogo 33:3 (2021): 5-8

 

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