Tempo dos gentios
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O que significa a expressão “tempos dos gentios” encontrada no Novo Testamento?
A expressão “até que os tempos dos gentios se completem” (Lc 21:24) é de difícil interpretação. Ela é usada apenas por Lucas no contexto do sermão profético de Jesus, que aparece também em Mateus 24 e Marcos 13. Ao se referir à destruição de Jerusalém, Lucas declarou que seus habitantes seriam mortos ao fio da espada, que os sobreviventes seriam espalhados como prisioneiros de guerra entre as nações e que a cidade seria destruída (e dominada) por povos pagãos até que o tempo deles se completasse.
A primeira parte da profecia se cumpriu de modo dramático no ano 70 d.C. Depois de um cerco de mais ou menos cinco meses (o segundo cerco), as tropas romanas sob o comando de Tito, filho do imperador Vespasiano, invadiram Jerusalém e destruíram tudo o que encontraram pela frente, inclusive o templo. Milhares de judeus foram mortos. Não foram poupadas nem mulheres e crianças. Quando os soldados já estavam fartos de tanta carnificina, outros milhares foram levados como cativos. Fontes históricas relatam que nem um único judeu foi deixado vivo na cidade (ver Lc 13:34, 35). Por muitos anos depois da destruição, os judeus não puderam sequer se aproximar das ruínas da cidade. Até hoje, parte de Jerusalém permanece nas mãos de gentios, pois os muçulmanos controlam o lado oriental da cidade.
Mas e quanto à parte final da profecia? O que significa a expressão “até que os tempos dos gentios se completem” e quando é que esse período de tempo termina? Muitos cristãos entendem que a profecia teria que ver com a restauração política de Israel em algum momento futuro. E não são poucos os que acham que o cumprimento se deu em 1967, quando as tropas israelenses tomaram Jerusalém dos árabes.
Outros adotam uma abordagem mais espiritual afirmando que a profecia se refere à conversão de Israel ao evangelho. A passagem de Romanos 11:25 e 26, que parece antecipar uma conversão em grande escala de judeus no futuro, é frequentemente citada em defesa dessa abordagem. O texto de Paulo, porém, não consiste numa profecia, mas apenas no seu supremo anelo com relação aos judeus (10:1; 11:14), por quem nutria profundo e verdadeiro amor (9:1-5; 10:1, 2).
No original grego de Romanos 11, o apóstolo se referiu cinco vezes à conversão dos judeus por meio do modo subjuntivo (v. 14 [2x], 27, 31, 32), que é utilizado para expressar desejos ou ações possíveis, não necessariamente ações reais, que demandariam o uso do modo indicativo. Isso concorda com o verso 23, no qual Paulo disse que Deus tem o poder de reenxertar os judeus na oliveira, e o fará, “se não permanecerem na incredulidade”.
É importante observar também que a profecia de Lucas não implica necessariamente uma eventual conversão ou restauração política de Israel. Em grego, nem sempre a preposição “até” (achri) sugere um retorno à situação anterior (ver 1Co 15:25; Ap 2:10, 25, 26). E o que vem em seguida a Lucas 21:24 na sequência do evangelho é a volta de Jesus propriamente dita (v. 25-28), não a reconquista de Jerusalém pelos judeus. A única Jerusalém que reaparece no final dos tempos é a Nova Jerusalém (Ap 21:9-27), não a velha, cuja glória e função no plano divino se foram para sempre.
“Os tempos dos gentios”, portanto, parecem cobrir o período que se estende desde a destruição de Jerusalém até a segunda vinda, com a possível implicação de que, ao fim do período, o juízo divino também recairia sobre as nações gentílicas. Não estaria isso implícito nos versículos seguintes (25, 26)? Um tema recorrente nos profetas do Antigo Testamento é que o juízo contra Israel (ou Jerusalém) seria seguido pelo juízo contra as próprias nações utilizadas por Deus para trazer o juízo sobre seu povo (Is 10; Jr 50-52; Jl 3; Ob 1).
Nada em Lucas 21:24, portanto, sugere restauração. Ao contrário, assim como Jerusalém foi alvo do juízo divino no ano 70 d.C., por intermédio dos gentios, também os gentios impenitentes serão um dia alvo dos juízos retributivos de Deus.
WILSON PAROSCHI, doutor em Teologia, com especialização em Novo Testamento, é professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)