Quem foi Lilith, afinal?
idade média
Se você assistiu à primeira temporada da série The Chosen, talvez tenha se perguntado: por que chamam Maria Madalena de Lilith logo no início? Seria ela uma reencarnação de um demônio antigo? Ou isso tem algo a ver com a Bíblia?
Personagem Maria Madalena da série The Chosen, onde ela é chamada de lilith. | Fonte: Divulgação, The Chosen.
Neste artigo, vamos mergulhar nas origens mitológicas de Lilith, entender o papel histórico e bíblico de Maria Madalena, e explicar por que os produtores de The Chosen resolveram misturar essas duas figuras em uma só narrativa. Prepare-se para muita informação histórica, teológica e até um pouco de misticismo medieval.
O nome Lilith aparece apenas uma vez na Bíblia — e mesmo assim, com uma tradução bem controversa. Em Isaías 34:14, algumas versões falam de “criaturas noturnas”, outras usam o nome “Lilit” ou “Lilith”, dependendo da versão. No hebraico, a palavra usada é לִילִית (Lilith), possivelmente derivada de lailah, que significa “noite”.
Mas a maioria do que sabemos sobre Lilith vem de fora da Bíblia. A imagem dela como um demônio feminino, sedutor, associado à sexualidade e à desobediência só começou a se consolidar na Idade Média, em textos místicos judaicos como o Alfabeto de Ben Sira e o Midrash Abkira.
Existem duas versões principais sobre Lilith:
- Lilith como a primeira esposa de Adão
Nessa versão, Deus teria criado Adão e Lilith do pó da terra ao mesmo tempo. Como iguais, Lilith se recusava a se submeter a Adão, especialmente nas relações sexuais. Fugiu do Éden e se transformou em um espírito demoníaco. - Lilith como a segunda mulher de Adão
Após a morte de Abel, Adão se afasta de Eva por luto e penitência. Nesse tempo, surge Lilith (chamada também de Pisna) e tem filhos demoníacos com Adão — o que explicaria os gigantes, espíritos malignos e outros seres míticos.
Essas histórias são lendas medievais judaicas. Nada disso está no texto original da Bíblia.
Por que The Chosen chama Maria Madalena de Lilith?
Na série The Chosen, Maria Madalena aparece inicialmente como uma mulher atormentada por traumas e possessões. Enquanto vive em pecado e dor, ela é chamada de Lilith, até que Jesus a liberta completamente.
A série utiliza o nome como uma metáfora para mostrar o quanto Maria estava dominada pelo mal — e como a redenção em Cristo devolve sua verdadeira identidade.
O simbolismo é forte por vários motivos:
- Lilith é tida como a mãe dos demônios;
- Maria Madalena, segundo o evangelho de Lucas 8:2, teve sete demônios expulsos por Jesus;
- Lilith é símbolo de desobediência e pecado;
- Maria Madalena se torna exemplo de transformação e devoção.
Ou seja, ao chamá-la de Lilith, a série quis mostrar o antes sombrio da personagem, que seria completamente transformado pela presença de Jesus.
Maria Madalena foi mesmo prostituta?
Essa é uma confusão que vem sendo passada há séculos. Muitos acreditam que Maria Madalena era uma prostituta, mas a Bíblia nunca afirma isso diretamente. O que está escrito é que Jesus expulsou dela, sete demônios (Lucas 8:2). Apenas isso.
A ideia de que ela era uma prostituta surgiu principalmente devido a sermões e tradições medievais — especialmente por parte de líderes da Igreja que acabaram misturando personagens diferentes do Novo Testamento em uma só figura feminina.
Hoje, estudiosos bíblicos reconhecem que Maria Madalena não era prostituta. Ela era, sim, uma mulher marcada por traumas, talvez abusos, mas que teve um papel central no ministério de Jesus — inclusive foi a primeira a vê-Lo ressuscitado.
O que significa Jesus ter expulsado sete demônios dela?
No contexto bíblico e simbólico, o número sete representa plenitude, totalidade. Isso pode indicar que Maria Madalena estava completamente oprimida por forças malignas — espiritual, emocional ou psicologicamente.
E tem mais: o evangelho de Lucas, capítulo 11, explica que um demônio pode sair de alguém, mas, se a pessoa não se firmar, ele volta com outros sete piores. Isso pode sugerir que Maria Madalena reincidia em seus pecados, até encontrar libertação verdadeira e definitiva em Jesus.
A i licença poética em The Chosen
A série The Chosen é uma obra de ficção baseada na Bíblia, não um documentário. Por isso, os criadores usam licença poética — um recurso artístico que ajuda a tornar as histórias mais emocionantes e acessíveis, sem pretensão de mudar a verdade bíblica. A própria série deixa isso claro em seu aviso de abertura.
Ou seja: chamar Maria de Lilith é uma escolha narrativa. Uma forma simbólica de mostrar a transformação de uma mulher que vivia na escuridão para uma que brilhou com a luz de Cristo.
O poder da transformação
A história de Maria Madalena — seja na Bíblia ou na série The Chosen — é um testemunho de redenção. Ela mostra que não importa o quão fundo alguém tenha caído, ninguém está fora do alcance da graça de Deus.
O nome Lilith, com toda sua carga demoníaca e mitológica, é usado como contraste para destacar a transformação radical que Jesus operou em Maria Madalena. De “endemoniada” a primeira testemunha da ressurreição, ela se tornou símbolo de fé, força e libertação.