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K’dee Crews
Quando lhe perguntam: “Como você lida com pessoas difíceis?”, vem à sua mente algum rosto em particular? Imagino que você se lembre de pelo menos um. Lidar com gente complicada é uma parte inevitável da vida; portanto, todos podem se beneficiar ao considerar esse assunto. Pense em como seus relacionamentos seriam diferentes em sua casa, igreja ou comunidade se você soubesse como lidar com essas pessoas.
Ao dialogar sobre relacionamentos, é importante reconhecer que não se pode consertar ou controlar os outros. Assim, este artigo se concentra no que você pode controlar, ao explorarmos sete medidas práticas para lidar com pessoas difíceis.
1. Faça um autoexame
Ao lidar com pessoas difíceis, o primeiro passo é olhar-se no espelho e perguntar: “Será que sou eu a pessoa difícil?” De acordo com Pamela Meyer, nós nos enganamos cerca de 10 a 200 vezes por dia (Liespotting [St. Martin’s Press, 2011]). Jeremias 17:9 diz: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem poderá entendê-lo?” Uma forma comum de autoengano é a projeção, isto é, quando você acredita que os outros têm as qualidades negativas que, na verdade, são suas. Podemos pensar que os outros são difíceis porque projetamos nossas dificuldades neles. Como psicóloga, frequentemente vejo meus clientes fazendo isso. Eles reclamam do cônjuge, filho, colega de trabalho, pastor ou até mesmo dos agentes de atendimento ao cliente que consideram intratáveis, embora sejam eles mesmos que estejam sendo difíceis.
Jesus descreve a importância do autoexame em Mateus 7:3: “Por que você vê o cisco no olho do seu irmão, mas não repara na trave que está no seu próprio?” Para ser mais direto: “Por que você rotula seu ‘irmão’ como ‘difícil’ e não percebe que o problema está em si mesmo?” No versículo 5, Jesus admoesta Seus ouvintes a tirar “primeiro a trave do seu olho e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão”. Trabalhe primeiro em suas próprias dificuldades e, depois, poderá discernir as dificuldades dos outros e saber como lidar com elas. Ore como o salmista: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139:23, 24).
2. Assuma a responsabilidade
As pessoas costumam dizer: “Aquele indivíduo me irritou”. No entanto, isso não é totalmente verdade. Embora os outros possam influenciar como você se sente, ninguém pode fazê-lo sentir algo. Em vez de culpar os outros, assuma a responsabilidade por sua resposta e pergunte-se: “O que essa pessoa provoca em mim?” Aqueles que são mais maduros emocionalmente têm autoconsciência e assumem a responsabilidade por si mesmos. Mesmo que seu julgamento sobre a pessoa difícil esteja correto, há aspectos que você pode reconhecer e mudar.
Quando você for provocado, não reaja da mesma forma. Se não reagir, essa pessoa se tornará impotente. Quando eu era jovem, meu irmão mais velho fazia cócegas em minha irmã do meio e em mim. Devido à reação histérica da minha irmã, ele fazia mais cócegas nela. Observando isso, eu negava que tinha cócegas quando os outros perguntavam e, com todas as fibras do meu ser, tentava não rir ou me contorcer quando me faziam cócegas. Ao me recusar a reagir, os outros perdiam o poder sobre mim. Isso se aplica ao lidar com pessoas difíceis. Não lhes dê poder reagindo, remoendo o que fizeram ou desabafando sobre isso, seja no momento ou mais tarde.Como lidar com pessoas difíceis
3. Redefina a palavra “difícil”
Uma etapa essencial para lidar com pessoas complicadas é remover o rótulo de “difícil” que você colocou. O rótulo é uma forma de julgamento em que pegamos uma característica ou ação de uma pessoa e aplicamos a ela como um todo. Atualmente, muitos estão sendo rotulados como “narcisistas”. As pessoas podem ter traços de narcisismo, mas rotular alguém como “narcisista” a retrata como se isso fosse a totalidade de quem ela é. Essa é a agenda de Satanás, pois os rótulos condenam os outros ao destino que essa designação implica e podem se tornar uma profecia autorrealizável. Isso também se aplica quando rotulamos os outros como “difíceis”. Eles podem pensar: “Já fui rotulado como ‘difícil’, então por que mudar?”
Os rótulos também tendem a segregar as pessoas com base, por exemplo, em raça (“negros” X “brancos”), religião (“conservadores” X “liberais”), ou crenças políticas (“direita” X “esquerda”). Da mesma forma, a segregação surge quando rotulamos outros como “difíceis”. Devemos nos perguntar: O que Jesus faria? Em Sua época, Ele combateu rótulos alienantes e observou o coração das pessoas (Gl 3:28).
“O Senhor não vê como o ser humano vê. O ser humano vê o exterior [as dificuldades], porém o Senhor vê o coração [as feridas profundas e as tristezas]” (1Sm 16:7; cf. 2Co 5:16). Em vez de pensar “nós” (os que não são difíceis) contra “eles” (os difíceis), devemos perceber que somos todos pecadores “difíceis” que ficaram destituídos da glória de Deus (Rm 3:23), e a mesma graça imerecida que recebemos devemos estender aos outros. Sejamos como Deus e removamos o rótulo de “difícil”, começando agora. Este artigo passará a se referir às “pessoas difíceis” como pessoas que precisam de graça extra (PGE).
4. Conecte-se e ouça
Uma das maiores bênçãos do meu trabalho como psicóloga é ouvir as histórias das pessoas. Ao olhar para além da superfície de sua vida, sinto que a empatia e a compaixão emergem em mim, substituindo o julgamento e a frustração. Embora talvez você não tenha a mesma oportunidade de ouvir histórias diariamente, todos podem dialogar e se relacionar com os outros. Não os julgue; ouça e seja paciente. Como diz Tiago 1:19: “Cada um esteja pronto para ouvir, mas seja tardio para falar e tardio para ficar irado.”
O autor, palestrante e empresário norte-americano Bo Bennett afirmou: “Se você quiser ter muita experiência em lidar com pessoas difíceis, então tenha filhos” (Year to Success [Archieboy Holdings, 2004]). Assim como as crianças, as PGEs geralmente têm habilidades emocionais e sociais subdesenvolvidas. Precisamos olhar para elas com outros olhos, como crianças preciosas que necessitam de nosso amor e cuidado para seu desenvolvimento. Aos olhos de Deus, somos todos crianças, e Ele deseja que nos aproximemos Dele.
Conectar-se e ouvir não apenas gera empatia pelas fraquezas das pessoas, mas também cria oportunidades para reconhecer seus pontos fortes. Jesus reconhecia tanto as fraquezas quanto as virtudes daqueles que O cercavam. Ele demonstrava compaixão por suas limitações, ao mesmo tempo em que cultivava o que havia de bom nelas. Precisamos fazer o mesmo com as PGEs. Embora uma pessoa enfrente desafios interpessoais, ela pode possuir dons valiosos que contribuem para o ministério. No corpo de Cristo, todos são necessários (1Co 12:12-27).
5. Defina a dificuldade
Enquanto ouve, em vez de rotular, busque definir melhor o problema que está interferindo no seu relacionamento. Vários fatores podem contribuir para interações problemáticas. Alguém pode estar lidando com um distúrbio físico ou psicológico, ter uma personalidade diferente, um estilo de vida distinto, um sistema de crenças ou uma cultura que diverge da sua. Ao identificar quais dessas variáveis estão causando a interação difícil, você poderá determinar uma solução mais adequada.
As soluções não são de tamanho único; há muitas variáveis a ser consideradas. Elas dependem muito do seu relacionamento com a PGE, seja ela um membro da família, um irmão da igreja, alguém em posição de autoridade ou um estranho. Você também deve levar em conta a frequência das interações e o objetivo do relacionamento. Se o contato for com um atendente do SAC que você raramente vê, e o principal objetivo for devolver um item comprado, sua abordagem será muito diferente daquela utilizada com seu chefe, com quem interage frequentemente. Além disso, é importante considerar quais interações a PGE é capaz de estabelecer. Ela consegue responder aos limites exigidos? Muitas vezes, ficamos frustrados com uma PGE quando percebemos que ela não pode mudar a atitude dela. Permita que as pessoas lhe ensinem quem são e do que são capazes e ajuste suas expectativas com base nessa realidade.
6. Estabeleça limites
Os limites são essenciais para lidar com as PGEs e para todos os relacionamentos. Na Bíblia, um grande princípio orientador para os limites é revelado no caráter de Deus: o equilíbrio entre justiça e misericórdia (Sl 85:10; Mt 23:23; Mc 6:8). O amor humano costuma ser desequilibrado; tendemos a enfatizar um aspecto e negligenciar o outro. Ao lidar com as PGEs, muitos cristãos inclinam-se para a graça em excesso (estabelecendo limites frouxos ou inexistentes) até chegarem ao ponto de ruptura, momento em que podem passar totalmente para o lado da justiça (adotando limites rígidos, como excluir a pessoa de suas vidas). O equilíbrio entre justiça e misericórdia dependerá da pessoa e da situação. Permita que o Espírito Santo, e não seu julgamento tendencioso, guie você na definição dos limites.
Da mesma forma, precisamos encontrar um equilíbrio entre justiça e misericórdia, bem como entre o cuidado com os outros e o cuidado conosco. O princípio orientador na Palavra de Deus para isso é amar o próximo como a nós mesmos (Mc 12:31). Não podemos amar os outros se não amarmos e cuidarmos de nós mesmos. A fadiga da compaixão e o esgotamento são inevitáveis se não houver autocuidado regular e rotineiro. Até Jesus precisou estabelecer limites para o autocuidado ao lidar com as PGEs de Sua época. Ele frequentemente Se retirava para o deserto (Lc 5:15, 16), para a encosta da montanha (Mt 14:23) ou para um lugar solitário (Mt 14:13; Mc 1:35). Ele também encontrava refúgio entre amigos fiéis e de confiança, como exemplifica a amizade Dele com a família de Lázaro, em Betânia. Estabelecer e comunicar limites é apenas metade da batalha. A parte mais desafiadora é aplicar e reforçar esses limites.
7. Peça conselho
Como não existe uma solução única para a diversidade de PGEs que você encontrará, será necessário buscar apoio e aconselhamento. Primeiro, peça o conselho de Deus. Por meio da oração, do estudo da Bíblia e da sua experiência, o Espírito Santo pode orientá-lo. Em segundo lugar, busque o conselho de pessoas objetivas e de confiança.
Na sétima série, minha melhor amiga me contou sobre seus problemas de saúde mental, incluindo automutilação e pensamentos suicidas. Ela me fez prometer que eu não contaria a ninguém. Suas dificuldades pesaram tanto sobre mim que comecei a apresentar sinais de depressão. Ao perceber isso, minha irmã me perguntou o que havia de errado. A represa que eu havia segurado por tanto tempo se rompeu e as lágrimas escorreram pelo meu rosto. Nunca esquecerei a resposta da minha irmã: “K’dee, você não é responsável pelos problemas e pela vida da sua amiga.” Ela aprovou meu desejo de cuidar da amiga, mas também me incentivou a estabelecer limites para cuidar de mim mesma. Era como se o próprio Jesus estivesse falando comigo, dizendo: “Vejo seu coração carinhoso, K’dee. Mas Eu sou o Salvador de sua amiga, não você. Entregue-a a Mim.” Em seguida, compartilhei as dificuldades da minha amiga com um adulto de confiança na escola. Isso não apenas aliviou um peso enorme sobre meus ombros, mas também garantiu que as necessidades de minha amiga fossem melhor atendidas.
Deus nos chama a ajudar os outros, mas não somos responsáveis pela vida deles. Faça o que estiver ao seu alcance e confie o restante a Deus e a pessoas que possam oferecer a ajuda necessária.
Graça que transborda
Para concluir, gostaria de compartilhar uma experiência que ilustra o poder de aplicar os princípios divinos, não apenas para lidar com uma pessoa que precisa de graça extra, mas também para amá-la de forma genuína.
No ensino médio, enfrentei bullying e muitas vezes me senti solitária. Embora esses anos tenham sido desafiadores, eles moldaram minha empatia e despertaram em mim o desejo de me aproximar de pessoas marginalizadas. Na pós-graduação, fiz amizade com uma PGE, e esse relacionamento se revelou um dos mais desafiadores que tive. A comunidade adventista local tolerava gentilmente sua presença em reuniões sociais, mas ninguém parecia disposto a se aproximar dela. Admito que, às vezes, foi difícil sustentar nossa amizade.
Certa vez, essa PGE compartilhou comigo relatos de sua infância. Ela falou sobre a negligência e o abandono que sofreu, e como, agora, testava as pessoas intencionalmente para ver se também as afastaria. Ela disse: “K’dee, eu sei que testei e afastei você. De alguma forma, você nunca me abandonou. Entendo melhor o amor incondicional de Deus por causa da sua amizade. Você não imagina o quanto isso significa para mim. Desculpe-me por ser tão difícil. Apenas não sei como ser diferente.”
As amizades com PGEs não são fáceis, mas podem ser extremamente gratificantes. Ainda guardo carinho por esse amigo e sou grata pelas lições que esses relacionamentos me ensinaram sobre Deus e Seu amor por nós. Meu marido costuma dizer: “O valor do prêmio determina o tamanho da dor que você está disposto a suportar”. Você valeu o sacrifício da cruz. A cura que meu amigo recebeu por meio do amor divino, manifestado em nossa amizade, vale a dor de um relacionamento difícil.
Espero que aceite o desafio de amar, cuidar e levar cura a uma pessoa que precisa de graça extra. Que Deus abençoe você com paciência, compaixão, graça, justiça e amor, capacitando-o a ter sucesso ao lidar com essas situações e a amar verdadeiramente essas pessoas!
K’DEE CREWS é psicóloga clínica em Auburn, na Califórnia (EUA)