Logo depois que as infecções pela COVID-19 se espalharam por todo o mundo, as clínicas psiquiátricas começaram a atender pessoas que não tinham doença mental prévia, mas que ficaram alteradas pelo problema psicológico causado pela pandemia.

Apaciente agradeceu e saiu da minha sala; ela me tomou mais tempo que o normal, e eu estava atrasado para chamar o próximo paciente, em quem vamos colocar o nome de “Pedro”. Ele entrou olhando para o chão − agitado, nervoso e muito preocupado em logo se assentar e fazer a consulta. Rapidamente pegou o álcool em gel que estava em minha mesa e passou nas mãos duas vezes. Olhou de relance para mim e me perguntou se a paciente anterior estava tossindo. “Eu tenho muito medo de pegar o vírus”, disse ele. Respirou fundo, olhou para o teto e olhou novamente para mim com um ar de preocupação nos olhos. “Essa doença está me deixando louco Dr. Pablo, eu passo álcool em tudo, antes de entrar em casa, passo o dia todo olhando as notí- cias para saber quantas pessoas já faleceram. Não consigo mais assistir às aulas da faculdade pelo computador, pois isso me deixa nervoso; não sei mais o que fazer!

Você já se sentiu assim, em algum momento, nesses últimos três anos? Algum amigo ou familiar seu ficou obcecado com a COVID-19? Que dificuldades você sentiu ao enfrentar as mudanças no modo de viver, de estudar e de interagir com outras pessoas no dia a dia?

Muitos dizem que já conseguimos controlar essa doença. Será que eles estão certos disso? E o que dizer dos efeitos adversos de uma longa COVID em nossa saúde física e mental? Um fator que apareceu e chamou atenção dos cientistas foi o impacto direto e indireto do vírus na saúde mental.

O IMPACTO DA COVID-19 NO MUNDO

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 31/12/2022 tivemos 647.972.911 casos registados de infecção com o vírus Covid-19 e 6.642.832 mortes por esse vírus. A Europa e as Américas foram os continentes mais afetados, e o país mais afetado foi os Estados Unidos da América do Norte, com 98.525.870 casos confirmados1.

Passamos os últimos três anos da nossa vida tentan- do entender o que estava acontecendo, tentando nos adaptar a uma realidade que mudava em muito pouco tempo. As opiniões diversas e controversas sobre o vírus nos jogavam de um lado para outro, como a um barquinho numa tormenta no mar agitado, sem uma noção clara de onde íamos terminar.

Profissionais da saúde, governantes e o público em geral expressavam sua preocupação com essa contagiosa doença e as várias recomendações que eram feitas com relação ao uso de máscaras, isolamento, quarentena e sobre os cuidados apropriados para com aqueles que estavam em maior risco. As escolas foram fechadas, os hospitais ficaram lotados, os mercados com falta de mercadorias e toda a sorte de informações controversas e contraditórias sobre a doença circulavam em um nível jamais visto na história.

PROFUNDOS EFEITOS NA SAÚDE MENTAL

Todas as áreas da saúde foram direta ou indiretamen- te afetadas, e a saúde mental não foi exceção. “Pessoas afetadas pelo vírus COVID-19 tiveram aumento de pro blemas de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, estresse, crises de pânico, explosões de raiva sem razão, impulsividade, somatização, insônia, distúrbios emocio- nais, estresse pós-traumático e comportamento suicida”2.

Logo depois que as infecções pela COVID-19 se espalharam por todo o mundo, as clínicas psiquiátricas começaram a atender pessoas que não tinham doença mental prévia, mas que ficaram alteradas pelo problema psicológico causa- do pela pandemia. Do ponto de vista psicopatológico, essa pandemia temse comportado como um grande estressor e originador de traumas para muitos profissionais da saúde, como também para o público em geral. As consequências dessa pandemia para a saúde mental podem ser comparadas aos eventos catastróficos naturais, como os terremotos ou tsunamis, porém, numa escala muito major3.

Vai demorar ainda algum tempo até entendermos totalmente os verdadeiros resultados da pandemia na saúde mental das pessoas, mas especulase que as medidas de isolamento e a quarentena aumentaram os quadros de ansiedade, depressão, insônia, uso abusivo de substâncias psicoativas, automutilação e tentativas de suicídio. Também aumentaram as denuncias de casos de violência doméstica, tanto em mulheres quanto em crianças e houve também um aumento do Transtorno de Ansiedade Generalizado e do Transtorno Obsessivo-Compulsivo4.

Embora as crianças sejam menos propensas que os adultos a enfrentar riscos mais severos de contraírem o vírus da COVID-19, manifestaram inúmeras alterações originadas pelas medidas adotadas na pandemia. O fechamento das escolas, EAD, falta de atividades ao ar livre, mudanças na alimentação, alteração nos horários do sono, que provocaram um aumento do tédio, estresse, impaciência, ansiedade, irritabilidade, violência domés- tica, abuso físico, psicológico e sexual, além do acesso a conteúdos inadequados na Internet. As crianças de pais solteiros ou de pais que trabalharam na linha de frente da pandemia (os profissionais da saúde), sofreram mais diretamente essas consequências5.

PREVENÇÃO E TRATAMENTO

Levando isso em consideração e sabendo que alguns traumas demoram a se manifestar, imagino que a próxima década ainda revelará muitos outros problemas que surgirão por causa da pandemia e que vão impactar a saúde mental de toda a humanidade.

O QUE FAZER ENTÃO?

• O primeiro passo é estar ciente de que essa pandemia teve, tem e continuará tendo um efeito deletério em nossa saúde mental. Devemos ser cuidadosos em não subestimar esses riscos, nem na nossa vida, nem na vida dos outros. Isso significa que precisamos viver com medo? Não, pois o medo nos leva ao desespero, e o desespero nos priva da capacidade do raciocínio lógico e da esperança. Então, o melhor conselho que posso dar é que devemos aprender a tomar decisões baseadas na confiança em Deus, na obediência aos princípios de saúde que Ele nos deu, manternos atualizados quanto às informações científicas que se relacionam à saúde e à doença, utilizar as habilidades do raciocínio lógico para ajudar a prevenir as doenças mentais e obter o tratamento apropriado caso estivermos sofrendo os efeitos da pandemia ou outras condições que requeiram atendimento profissional.
• O segundo passo é reconhecer que as doenças da mente alteram o pensamento e o comportamento em várias áreas, como no trabalho, na escola, na vida social, familiar, e também ocasionam transtornos físicos, como gastrite, fibromialgia, dermatite, aumento da pressão arterial, descontrole da glicemia (alta concentração da glicose no sangue, como acontece em pacientes diabéticos), entre outras alterações. Precisamos eliminar o preconceito de que as doenças relacionadas à saúde mental não existem, ou são só falta de fé, e aceitar que elas podem nos atingir como qualquer outra doença.
• O primeiro e o segundo passos nos preparam para colocar em prática o terceiro: quando necessário, devemos consultar um profissional da área de saúde mental (um psicólogo ou um psiquiatra) com conhecimento e experiência para nos ajudar a lidar com todas essas dificuldades. Esse profissional poderá oferecer uma boa terapia psicológica e, se necessário, combiná-la a um tratamento médico/farmacológico.

Além de entender e seguir os passos anteriores, precisamos também adotar as ferramentas preventivas e promotoras da saúde, como Os Oito Remédios Naturais, que muitos de nós conhecemos há um bom tempo e que, às vezes, temos difi-culdade de colocá-los em prática.

Luz solar: de 10-15 minutos, diariamente, estarmos expostos à luz solar (expor um braço ou uma perna já é o suficiente para aumentar a produção de vitamina D no corpo, que é importante não somente para fortalecer os ossos, mas também a nossa saúde mental). Segundo afirma Rosa, et al (2017), “a vitamina D exerce diversas atividades no sistema nervoso central. Atua na regularização de neurotransmissores e aumenta os fatores neurotróficos, favorecendo o funcionamento do cérebro. Outro papel importante é a capacidade que essa vitamina tem de reduzir as concentrações de mediadores inflamatórios associados ao desenvolvimento da depressão”6. Percebam que não precisamos de muito tempo de exposição, mas a falta dessa vitamina nos priva de seus benefícios.

Atividade Física: é relevante praticar uma atividade física de qualquer tipo e adaptá-la à nossa realidade quanto ao tempo ou às restrições físicas. A recomendação é fazer uma atividade aeróbica, entre 30-40 minutos por dia, pelo menos quatro vezes por semana, especialmente naqueles dias em que estamos mais cansados mentalmente. Isso produz o aumento das endorfinas, que estão relacionadas à sensação de prazer e ao alivio da dor, estimulando também o aumento de uma miosina, a irisina, que tem um efeito protetor no hipocampo (estrutura cerebral) que desempenha um papel fundamental na formação, organização e armazenamento de novas memórias, que têm sido tão afetadas em pacientes que tiveram COVID-197. Como se não bastassem todos esses benefícios, atividade física melhora o rendimento acadêmico; como também o sono, outro remé- dio natural. O uso excessivo do computador e do telefone celular, a ansiedade, os quadros depressivos e a privação do sono alteram o humor, causam irritabilidade, minam as energias psíquicas e físicas e baixam a imunidade.

Alimentação saudável: adotar uma alimentação saudável, incorporando mais castanhas, frutas, verduras, cereais e grãos, evitando as bebidas alcoólicas (que agravam os quadros depressivos, entre outros problemas de saúde), como também os cafeinados ou estimulantes (que podem aumentar a ansiedade) e beber 30 ml de água para cada kg de peso corporal, mantém o corpo em condições metabólicas adequadas. Fazer as refeições em horários regulares, respeitar a rotina corporal, cuidar com as quantidades e com a forma de preparo dos alimentos (comidas gordurosas ou ricas em proteína animal tendem a dificultar a digestão e deixar o raciocínio mais lento), não somente melhora a saúde mental, como também potencializa o rendimento intelectual e acadêmico.

E assim podemos continuar enumerando os benefícios para a saúde do corpo e da mente promovidos pelos demais remédios naturais, como o ar puro, a temperança e o domínio próprio, o descanso (além do sono, já mencionado) e o uso adequado da água, tanto por fora como por dentro. Entretanto, há um remédio natural que, no tocante à saúde mental, mereceu destaque especial durante a pandemia: a confiança em Deus. De várias maneiras, a pandemia da COVID-19 desconstruiu todas as estruturas de confiança que tínhamos com relação às nossas rotinas diárias e à segurança. De um dia para outro, não tínhamos mais garantia de nada e ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo. Fomos bombardeados por especulações e em muitos casos perdemos o rumo. Nada parecia ser uma estrutura suficientemente firme para manter a nossa é − exceto Deus. Ele Se tornou a única estrutura sólida, a única esperança verdadeira, a única opção coerente, o único abrigo em meio à tormenta. A pandemia nos deixou com apenas duas opções: acreditar ou deixar-se abater… e para aqueles que acreditaram, nem a morte os tirou do foco, da salvação, da paz que só Cristo pode dar, não como o mundo a dá, que na verdade não conseguiria nos dar paz, mas aquela paz que sobrepuja todo entendimento, aquela que luta contra a nossa ansiedade e destrói os nossos pensamentos aterradores, aquela paz que nos faz dormir tranquilamente e nos permite sorrir e manter o otimismo. Quanto tempo você dedica para orar? Como está o seu tempo de leitura da Palavra de Deus a cada dia? Quanto tempo você passa conversando com seus amigos ou colegas sobre as bênçãos de Deus e Sua proteção? Quanto tempo você dedica para louvar e agradecer a Deus?

Mais desafios virão, cada vez mais fortes e com maiores exigências! Precisamos nos preparar e nos conscientizar de que esta vida não termina aqui. Temos um futuro promissor. Podemos ficar em paz, pois a nossa esperança é verdadeira, a promessa de Deus é fiel!

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Pablo Daniel Canalis Formado em Medicina pela Universidade Adventista do Prata, Argentina, especialista em Psiquiatria pela Universidade Maimonides, Argentina, tem ainda pós-graduação em Medicina da Família e da Comunidade pela Universidade Federal de São Paulo, Brasil, e pós-graduação em Psiquiatria pela Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, Brasil. Social Media: @drpablocanalis.

NOTAS E REFERÊNCIAS