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Arqueólogo, fala sobre as guerras na história bíblica.

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Por Jhenifer Costa

Agência Adventista Sul-americana de Notícias: Nosso mundo está acostumado a passar por guerras. Mas onde e quando tudo começou?

Rodrigo Silva: Interessante essa pergunta, porque, quando analisamos os mais antigos documentos da humanidade descobrimos que todos, sem exceção, vinculam as guerras da Terra à continuação de outras batalhas cósmicas envolvendo seres celestiais, das quais as guerras desse mundo são apenas um reflexo ou uma extensão. Biblicamente falando, esse conceito está bem, considerando que antes de todas as batalhas da Terra houve uma “peleja no céu”, que é o grande conflito entre as forças do bem contra o mal. O que ocorre aqui é, em muitos casos, a transferência do conflito para outro campo de batalha, como o nosso planeta.

ASN: Qual a primeira guerra que a história relata?

Silva: Todas as primeiras civilizações ou impérios da humanidade (sumérios, acadianos, assírios, egípcios e babilônios) têm a guerra na base de sua fundação. O mais antigo registro de guerra que possuímos vem da Mesopotâmia e teria ocorrido por volta de 2.700 a.C. Foi uma batalha entre Sumer e Elão. Praticamente ao mesmo tempo, outra batalha ocorria em Uruk, quando seu monarca saiu atacando vilarejos vizinhos a fim de obter madeira de cedro para construir o templo de seu deus. Mas muito antes disso, desenhos pictográficos de exércitos em batalha foram feitos no palácio de Kish, mostrando que a arte da guerra era algo mais antigo que o relato que temos dela.

ASN: Historicamente, o que acontecia com as pessoas que se recusavam a matar ou que tentasse fugir de uma guerra? Que punições eram aplicadas?

Silva: Não me recordo de casos específicos, a não ser a prescrição do Código de Hamurabi, de 1.750 a.C., segundo o qual um desertor seria punido com pena de morte. A Bíblia, embora mencione casos de deserção (como os judeus que se entregaram ao exército babilônio em Jeremias 39:9), não traz um exemplo específico de pena de morte ou outro castigo aplicado a um desertor. Mas, curiosamente, é interessante notar que nem sempre o ato de “deserção” é visto de modo negativo na Bíblia Sagrada. Ao que parece, o princípio bíblico se pauta pela fidelidade a Deus e sua justiça, e não à política de um general ou governante. Se alguém descobre que esta servindo num exército movido pela injustiça, tem o direito divino de desertar e é até elogiado por isso.

“Mas, curiosamente, é interessante notar que nem sempre o ato de “deserção” é visto de modo negativo na Bíblia Sagrada”

ASN: Quais são os exemplos de homens na Bíblia que priorizaram a fidelidade a Deus? Quais são os exemplos de homens na Bíblia que priorizaram a fidelidade a Deus?

Silva: Um exemplo que me vem a mente é o de Asa, que “congregou todo o Judá e Benjamim e também os de Efraim, Manassés e Simeão que moravam no seu meio, porque muitos de Israel desertaram para ele, vendo que o Senhor, seu Deus, era com ele” (2 Cr 15.9). Enquanto o reino do norte ia de mal a pior, principalmente na imoralidade e perversão, o reino do sul estava se voltando para o Senhor, sob o reinado de Asa. Se entendermos os cargos de Moisés e Paulo como funções militares, antes do chamado de Deus, podemos deduzir que ambos desertaram para servir ao Senhor. Um do comando do exercito de Faraó e o outro das milícias do templo que perseguiam o cristianismo. “Pela fé, Moisés, quando já homem feito, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado” (Hb 11.24-27). O mesmo se aplica a Paulo, que ao abandonar sua guarnição em caminho para Damasco, testemunhou posteriormente: “Não fui desobediente à visão celestial” (At 26.19).

ASN: Aproximadamente quantas guerras estão relatadas na Bíblia? E quantas a arqueologia achou registros?

Silva: Sinceramente, tenho dificuldade de falar até de um número aproximado. São dezenas e dezenas de conflitos mencionados, especialmente no Antigo Testamento. Quanto ao registro arqueológico, sim, pois a violência deixa marcas indeléveis. Não é difícil, por exemplo, encontrar em determinado extrato arqueológico restos de cinzas de uma batalha mencionada na Bíblia e que envolveu a destruição do lugar por meio do fogo. Em minha casa tenho restos de cinzas originais que trouxe da destruição de Hazor e Jericó. Além disso, temos painéis assírios, preservados no Museu Britânico que descrevem com detalhes a conquista de cidades como Laquis, mencionada em 2 Reis 18:17 e Jeremias 34.7. Até hoje também é possível ver em Jerusalém um monturo de restos do templo destruído pelos romanos no ano 70 d.C. conforme a predição de Cristo. Estes, é claro, são apenas alguns exemplos.

ASN: Quais te chamaram mais atenção pelo número de mortos e participantes?

Silva: A que mais me chama a atenção, talvez por termos mais detalhes que qualquer outra, é a destruição de Jerusalém. Segundo o historiador Flávio Josefo, mães comiam seus próprios filhos – ele foi testemunha ocular disso. Veja seu relato: “Ela (mãe) então tentou a coisa mais natural, e agarrando seu filho, que era uma criança de peito, disse, ‘Oh, pobre criança! Para quem eu te preservarei nesta guerra, nesta fome e nesta rebelião?’ Logo que acabou de dizer isto, ela matou seu filho e, então, assou-o, e comeu metade dele, e guardou a outra metade escondida para si” (Guerras, livro 6, capítulo 3, seção 4). Isso me traz um quadro maior da angústia de Jesus ao prever:  “Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias!” (Mt 24:19).

ASN: Algumas guerras bíblicas foram vencidas pelo povo de Israel devido a acontecimentos incomuns: a queda do muro de Jericó; prolongamento de uma noite; influência dos braços de Moisés para o alto. Como a arqueologia corrobora com esses relatos?

Silva: Deixe-me dizer que não é papel da arqueologia “comprovar milagres”. Milagre é algo que pertence à esfera da fé e é algo muito pessoal entre o indivíduo e Deus. Jamais posso, pela pá do arqueólogo, comprovar que Jesus nasceu de uma virgem ou que o Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba. Contudo, é possível perceber pelo método arqueológico alguns “rastros” de milagres ocorridos no passado. Neste caso específico de guerras, embora ainda haja uma controvérsia quanto à cronologia de Jericó, os que a escavaram ficaram surpresos com algo que pode ser visto até hoje: a cidade foi destruída por uma guerra que envolveu destruição e fogo. O mistério, no entanto, são seus muros derrubados de dentro para fora. Como pode ser isso se o exército inimigo e seus aríetes estavam do outro lado? Seria um indício de que os muros caíram por intervenção divina e não humana?

Um outro exemplo é o relato de II Reis 19:35-36, em que é dito que numa noite o anjo do Senhor feriu o arraial do exército sírio de modo que muitos morreram à noite e os que sobreviveram foram obrigados a se retirar com seu rei Senaqueribe, que depois disso foi morto enquanto cultuava aos seus deuses em Nínive. Isso foi por volta do 8º século a.C., quando os assírios estavam a ponto de destruir Jerusalém. Ora, um tablete cuneiforme escrito no reinado de Assurbanipal, neto de Senaqueribe, confirma a morte do rei exatamente como diz a Bíblia e o historiador grego Heródoto conta o que seguramente seria o mesmo episódio do ataque assírio revelando que numa noite, uma multidão de ratos apareceu do nada e atacou os soldados assírios, causando-lhes a mais espantosa derrota que um exército poderia enfrentar. Seria essa a ação do “anjo do Senhor” descrita em II Reis 19:35?

ASN: Atualmente, um grupo extremista espalha terror pelo mundo usando uma religião para legitimar a guerra. Na Idade Média, o mundo presenciou as Cruzadas, que era considerada uma guerra santa. O Antigo Testamento relata guerras envolvendo o povo de Israel, que também tinham fins religiosos. Portanto, uma religião pode legitimar uma guerra?

Silva: As guerras de Israel não tinham fins religiosos. Deus nunca mandou exterminar um povo por causa de sua religião. Os cananeus foram combatidos pelos israelitas, primeiramente, porque as terras que pertenciam aos judeus desde o período do Bronze (foram legalmente adquiridas por Abraão, Isaque e Jacó) estavam agora tomadas por invasores ou tinham seu caminho de acesso bloqueado por alguma milícia como as de Jericó, Hazor e Ai, que queriam impedir os hebreus de entrarem na terra que já lhes pertencia. Por isso, tiveram que usar a guerra, o que certamente estava longe dos ideais de Deus. Hoje, não podemos dizer que somos favoráveis ao conflito armado, mas que outro jeito há senão esse para libertar da tirania do Estado Islâmico os milhares de civis que sofrem sob seu regime? É lógico que a extensão dos conflitos no tempo bíblico tomou dimensões maiores que deveria ter tomado, e nem toda a guerra dos judeus foi necessariamente endossada ou querida por Deus. Mas o conflito inicial dos hebreus foi uma questão de sobrevivência e não de genocídio religioso, como pensam alguns. Veja que os profetas de Baal só foram mortos por Elias depois que desafiaram publicamente o Deus de Israel, dentro do território israelita. Porém, jamais houve qualquer ordem divina para que Israel atacasse a Fenícia e destruíssem seus templos e objetos de culto.

ASN: Alguns defendem que o objetivo da guerra é assegurar a paz. É possível que uma guerra possa resultar na paz absoluta? O que a história e a arqueologia podem dizer sobre isso?

Silva: Nenhuma guerra, armistício ou qualquer ação humana é capaz de trazer a paz absoluta. Essa é a humildade histórica que precisamos ter. Embora Deus nos conclame a trabalhar pela paz, construindo o reino do Céu já aqui neste mundo, devemos entender que a concretização final do bem tem uma assinatura que só Deus pode fazer. Nosso papel é trabalhar na construção do Reino, mas o acabamento e inauguração pertencem ao Senhor. Por outro lado, devemos entender que na perspectiva bíblica, a paz (eles dizem Shalom) não se limita àquela noção ocidental de tranquilidade quase monótona. Shalom implica prosperidade, garra, determinação, saúde, de modo que é perfeitamente possível dizer que Deus declara guerra ao mal para poder estabelecer a paz. Essa é a dinâmica do grande conflito e todos estamos envolvidos nele.

 

[Equipe ASN, Lucas Rocha, com colaboração de Jhenifer Costa]

 

Rodrigo Silva é doutor em Teologia Bíblica, com pós-doutorado em Arqueologia Bíblica. Também possui um segundo doutorado em Arqueologia Clássica pela USP. É graduado em Teologia e Filosofia e mestre em Teologia Histórica.

 

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